


Máscara Negra põe o Brasil às claras Esse é o nome do edifício do Departamento de Polícia Federal, em Brasília, coração e cérebro da instituição. Vamos ver o que há lá dentro que tanto ajuda a prender tanta gente, principalmente os colarinhos brancos.
por João de Barros
TRECHO 1Máscara Negra é o apelido do edifício de dez andares localizado no setor de autarquias que é sede da Polícia Federal em Brasília. Ganhou o apelido logo após a inauguração no governo do general Ernesto Geisel, em 1977, por causa dos vidros escuros que recobrem a fachada. Fazia sentido. No regime militar, a Polícia Federal era um órgão de repressão política usado pelo sistema para caçar subversivos, infiltrar-se nas organizações populares e censurar livros e filmes, entre outras atribuições. Uma “caixa preta”, onde trabalhavam homens conhecidos por “chuta-portas” – como diz a nova geração de policiais federais – por causa dos métodos hostis de abordagem que costumavam aplicar.
O Máscara Negra não mudou. Ainda exibe hoje as mesmas salas do subsolo onde os policiais assistiam aos filmes que seriam censurados, assim como não foram trocadas as placas que identificavam a turma da tortura – está lá a do execrado DOPS – Departamento de Ordem Política e Social, que funcionava no sexto andar. O que mudou foi a atuação da Polícia Federal. O orçamento aumentou. Passou de 1,848 bilhão de reais no último ano do governo FHC para 3,458 bilhões este ano. O número de policiais saltou de 7.000 para pouco mais de 13.000. “No governo Fernando Henrique Cardoso, a idéia do Estado mínimo repercutia na polícia mínima. Nossos carros não eram mais abastecidos pelos postos de gasolina; hoje têm ar condicionado. A idéia era: a polícia tem de cuidar do que cai na mão dela, não tem de correr atrás. Os policiais, além de não terem um centavo de aumento, ficaram oito meses sem receber diária: viajavam, faziam a investigação com o próprio dinheiro e não recebiam de volta. Com a chegada do advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça do primeiro mandato do governo Lula, é que a Polícia Federal começou a mudar. Ele sentiu que havia um grupo de policiais com boa condição pessoal, com potencial para investigar e decidiu investir”, diz Marcos Wink, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef).
TRECHO 2Operações especiaisA eficiência das investigações aumentou. A cocaína apreendida pulou de 9,1 toneladas em 2002 para 15,7 toneladas em 2005. O número de pessoas libertadas do trabalho escravo subiu de 1.741 em 2002 para 3.993 no ano retrasado. O número de inquéritos policiais foi de 1.027 em 2002 para 18.641 em 2005. Houve 119.000 operações de rotina no governo Lula. Porém, o que chama a atenção – pelos nomes que ganham e pela quantidade de policiais destacados para cada diligência – são as operações especiais, que saltaram de nove em 2003 para 42 em 2004, 67 em 2005 e 178 no ano passado.
A maior delas foi a Operação Dilúvio*, em agosto de 2006, deflagrada em oito Estados brasileiros e nos Estados Unidos. Após investigação de quase dois anos, a ação desarticulou um esquema de fraudes no comércio exterior, arquitetado por um punhado de empresários, onde havia de tudo: fraudes, sonegação, falsidade ideológica e documental, evasão de divisas, cooptação de servidores públicos. Contou com a participação de 950 policiais federais e 350 servidores da Receita Federal, que prenderam 102 pessoas e cumpriram mais de duzentos mandados de busca e apreensão, no Brasil e nos EUA. (...)
*após o fechamento da edição, a PF deflagrou a Operação Navalha, que em 17/5 prendeu 46 suspeitos em 9 Estados, entre eles um ex-governador (José Reinaldo Tavares, PSB-MA), dois prefeitos (Luiz Carlos Caetano, PT-BA e Nilson Aparecido Leitão, PSDB-MT) um deputado (Pedro Passos Júnior - PMDB-DF), assessores e funcionários públicos. Segundo a PF, também está envolvido no esquema o atual governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT). As investigações da operação, que tiveram início em novembro do ano passado, revelaram um megaesquema de desvio de recursos públicos por meio de fraudes em obras de eletrificação rural, saneamento básico e manutenção de rodovias.
Poucas vagas, muita procura
Concorrência é a real dificuldade no concurso
por Marcos Zibordi
TRECHO 1
Se o seu vizinho mudou de comportamento, ficou recluso, permanece com a luz acesa até de madrugada, não tira folga e surge mais angustiado a cada dia, ele pode estar se preparando para o concurso da Polícia Federal. Acontece com todos que tentam: as olheiras crescem, o cabelo cai, eles engordam, passam meses, anos devorando apostilas. A paranóia é justificada pela alta concorrência nos poucos concursos realizados; mas, ao contrário do que alardeiam pretendentes e propagandas, o certame não é dos mais difíceis do funcionalismo público. Ao contrário, certas exigências são até suaves para o tipo de função a ser realizada, e algumas seleções similares chegam a ser mais rigorosas.
O cidadão ou cidadã ingressa na Polícia Federal para ser policial ou atuar na área administrativa. Tendo qualquer curso superior, pode se tornar agente, escrivão e papiloscopista. Para perito, exige-se formação universitária relativa à área escolhida, e só advogados estão aptos a concorrer ao cargo de delegado.
No último concurso, realizado em 2004, a primeira prova tinha 120 questões. Entre língua portuguesa, direito, atualidades, informática e raciocínio lógico, temas comuns para todos os cargos, nada anormal: conhecimentos básicos de edição de texto em computador, formatação de tabelas, envio de e-mail e funcionamento da máquina. A prova de português é majoritariamente interpretativa e a gramática aparece relacionada ao contexto dos enunciados. A redação, sempre dissertativa, não propõe temas jurídicos, mas abrangentes, de que muitos vestibulandos poderiam dar conta, como “O avanço da tecnologia da informação e o respeito à privacidade do indivíduo”.
O empecilho desse primeiro exame é mais o tipo de prova do que o grau de dificuldade. Cada questão tem cinco alternativas e todas devem ser marcadas como certas ou erradas – a alternativa que o candidato erra anula uma acertada. Assim, quem não sabe, não chuta.
Atingida a nota mínima, o concorrente passa por um teste psicológico eliminatório que identifica a capacidade de concentração, atenção, raciocínio, memorização e controle emocional. (...)
Parceiros na lei
por Marina Amaral
A evolução da Polícia Federal evidencia-se aos olhos da população e do Ministério Público, que depende da eficiência de suas investigações para mover ações e processar criminosos. Não é uma parceria fácil: entre as atribuições constitucionais de procuradores e promotores está o controle externo da atividade policial, ou seja, a fiscalização da polícia
TRECHO 1Em 29 anos de polícia, Marcos Wink, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, nunca viu coisa igual: durante as operações-padrão da PF nos aeroportos para exigir o cumprimento de um acordo salarial, os policiais foram aplaudidos por passageiros que aguardavam em longas filas a minuciosa inspeção.
A imagem dos homens de preto derrubando uma parede falsa na casa do sobrinho do bicheiro Capitão Guimarães e a exclamação do jovem agente – “muita grana, moleque!” –, quando aparece o dinheiro camuflado, ainda estavam frescas. Converso com Wink no dia 18 de abril, três dias depois de o Fantástico, da TV Globo, exibir esse vídeo, gravado pelos policiais durante a Operação Furacão, no Rio de Janeiro.
Mais do que os bens apreendidos com a máfia dos caça-níqueis e bingos (20 milhões de reais em dinheiro e jóias, além de 51 carros de luxo), reluzem as prisões dos figurões: entre os 25 detidos havia dois desembargadores e um juiz – este, o único dos três a confessar participação no esquema de venda de informações privilegiadas e liminares favoráveis à máfia –, um procurador regional da República e três delegados da PF. O sobrenome de um dos quatro advogados presos, Virgílio Medina, também chamou a atenção: ele é irmão do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Medina (hoje afastado do cargo), e negociava liminares milionárias – suspeitase que com ajuda do irmão ministro – com os prepostos dos três grandes bicheiros cariocas presos (pela segunda vez) nessa operação: Aílton Guimarães Jorge, o “Capitão Guimarães”; Antônio Petrus Kalil, o “Turcão”, e Aniz Abraão Davi, o “Anísio”.
“Nunca antes no Brasil tantos poderosos caíram juntos”, anunciava a apresentadora Glória Maria antes de exibir o vídeo gravado pela PF. (...)
Mais na edição impressa:
Segredos da operação Gutemberg, por Cláudio Júlio Tognolli: a PF investiga jornalistas investigativos.
O policial Fernando, por Andrea Dip: apesar de chegar a ficar três dias sem tomar banho e sem trocar de roupa, o doutor Fernando ama a PF
A policial “Maria”, por Andrea Dip: a maioria das agentes fica em funções administrativas, mas ela é uma policial de verdade.
Fronteiras, o ponto fraco, por João de Barros: a Polícia Federal, além do Exército Brasileiro, tem a missão de fiscalizar os 16.000 km de fronteira seca do país. Para isso, ela conta com poucos homens (os números a PF não revela). Para o agente Adão Luiz de Almeida – que agora trabalha no setor de passaportes, em Foz do Iguaçu – essa deficiência e a inexperiência de delegados jovens no trabalho de fronteiras facilitam a ação do crime organizado. O organograma e os números, por Thiago Domenici.
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